Por Fernando Mantovani

Vejo muitos profissionais manifestando o desejo de ter mais flexibilidade no trabalho, com base na experiência durante esse período de pandemia. Recentemente, a Robert Half fez uma pesquisa com 620 colaboradores do Brasil e quase metade deles (49%) revelou que, semanalmente, gostaria de trabalhar mais vezes de casa do que do escritório, quando tudo isso passar. Eu penso que ainda é cedo para batermos o martelo nessa decisão porque estamos em um período de transição. Creio que, por mais que pareça, ainda não sabemos direito o que queremos ou precisamos.

Para ilustrar melhor o meu raciocínio, pense em uma criança que recebe um pacote de balas na mão pela primeira vez. É possível que ela coma tudo e ainda peça mais. Porém, também pode acontecer de, no meio do pacote, ela ficar enjoada, começar a se sentir mal e perceber que o excesso de doce não é bom para a saúde. Somos essa criança e o home office é o pacote de balas. No meu entender, nós ainda estamos em um processo de compreensão do quanto esse modelo de trabalho pode impactar positiva ou negativamente a nossa vida, rotina, carreira, qualidade de vida e empresa.

Alguns profissionais ainda estão muito focados nas vantagens de trabalhar de casa. Elas realmente existem. Mas eu acredito que só poderemos avaliar melhor quando tivermos a opção de escolher. Há quem esteja trabalhando remotamente por uma decisão da empresa, outros não têm com quem deixar os filhos e alguns precisam se preservar mais por fazer parte do grupo de risco, entre outros motivos particulares. Mas qual vai ser o nosso real desejo quando tivermos a liberdade de ir e vir? De quem são os custos de internet, computador e manutenção das tecnologias? Todas as organizações têm condições de assumir essas despesas extras? Tenho refletido muito a respeito disso.

Entendo que fomos programados para viver em sociedade. Aquele diálogo na pausa do café, as trocas de experiências entre uma atividade e outra, a confraternização no horário do almoço e a oportunidade de socorrer ou ser socorrido imediatamente diante de uma dificuldade em algum projeto, entre outros acontecimentos que permeiam a rotina de um ambiente formal, fazem toda a diferença no desenvolvimento da organização e da nossa carreira. Sei que a tecnologia ajuda muito nessa aproximação, mas tenho minhas dúvidas se ela basta. Ainda acredito muito no olho no olho.

Não quero, com isso, minar as iniciativas de trabalho remoto, seja ele parcial, com mais frequência ou definitivo. Minha intenção é deixar um alerta para que as decisões com relação a ele sejam tomadas com planejamento e cautela. Será que os profissionais vão se sentir realmente plenos? Como garantir a integração e o treinamento dos novos colaboradores? Como manter a cultura corporativa? Será que à distância também vamos conseguir aparar arestas no relacionamento entre os membros do grupo?

Entendo que exista uma ansiedade natural de alguns colaboradores para entender como vai ser o novo normal, mas, de um ponto de vista mais macro, a situação é mais complexa do que parece. A tendência é que cada empresa aprenda com o processo, se inspire em organizações que estão inovando na gestão e encontre o melhor caminho dentro da sua realidade, que é muito guiada pela condição financeira. No momento, o que temos de certo é muita discussão, pouca definição e algumas pequenas mudanças pontuais.

* Fernando Mantovani é diretor geral da Robert Half